O artigo ‘Natureza e Cultura’ instigou-me a tentar compreender como a área da Antropologia cindiu-se internamente, entre aqueles que trabalham na perspectiva de uma antropologia cultural (ou social) e aqueles que se dedicam a uma antropologia biológica (antigamente denominada ‘antropologia física’).
Ao ser convidado para participar do IV Congresso Iberoamericano de Arqueologia, Etnologia e Etno-história, que ocorreu em Dourados, Mato Grosso do Sul, em 2017, aproveitei a oportunidade para comunicar os primeiros resultados dessa investigação.
Sistematizei essas idéias em um artigo publicado em 2020, que enfatiza as controvérsias que alimentam cisões como a que se manifesta em antropologia: Human evolution: a role for culture?
Nesse artigo, indico que o programa em biologia conhecido como ‘evo-devo’- que busca aproximar os processos de desenvolvimento dos organismos (ontogenéticos) e de evolução das populações (filogenéticos)-, bem como a proposta, com um caráter nitidamente filosófico, de uma ‘teoria de sistemas de desenvolvimento’, levam a uma contestação radical da dicotomia natureza/cultura. Mostro ainda que antropólogos como Tim Ingold estão se apoiando nesses debates contemporâneos sobre os fundamentos da biologia para propor uma reaproximação das grandes áreas em que a antropologia é, tradicionalmente, dividida.
Não perdi as oportunidades que se ofereceram para buscar uma aproximação entre a filosofia e as ciências sociais, de um lado, e a psicologia e a biologia, de outro. Isso é ainda mais relevante quando a compreensão de processos complexos, como a evolução humana, requer a convergência de esforços, assim como a complementaridade de enfoques e competências.
A título de exemplo, menciono, brevemente, algumas participações mais recentes, além das já referidas ao longo da trajetória narrada, até aqui, neste Memorial.
Aceitei um convite para fazer a apresentação do livro do saudoso Prof. Paulo Saraiva, que foi um pesquisador em neurofisiologia do Instituto de Ciências Biológicas da UnB, com o título Cérebro, evolução e linguagem. Esse autor aborda no seu livro, publicado postumamente em 2014, vários assuntos a que me apliquei, como o do papel da cultura na evolução humana bem como suas bases cognitivas, como a capacidade para a leitura de mentes (mindreading). Foi um desafio e uma grande satisfação poder debruçar-me sobre o trabalho, de fôlego, realizado por Paulo Saraiva a respeito de tópicos de grande complexidade, como o da evolução da linguagem. Este é um assunto que sempre me intrigou, mas também me intimidou, e gostaria de ter energia e tempo para poder encará-lo, além das referências que fiz a ele em alguns trabalhos, alguns não publicados, e também neste Memorial.[33]
Quero também mencionar um trabalho em torno do tema da cooperação e do conflito na evolução humana que realizei com a bióloga colombiana Catherine Bernal, que fez uma visita à UnB quando ainda desenvolvia a sua pesquisa de doutoramento na Universidade do México. A Catherine é hoje uma professora da Universidade Nacional Colombiana, em Bogotá. Publicamos um artigo (2018b), e um outro com um caráter mais historiográfico em 2020, no qual investigamos como diferentes ‘imagens de homem’ permearam, e ainda permeiam, as controvérsias em torno do papel que a luta pela existência darwiniana (struggle for existence) teve na linhagem hominínea, ao lado do lugar- inequívoco e distintivo, ao mesmo tempo que paradoxal, no contexto de um processo evolutivo-, que a cooperação em larga escala ocupa nos grupos humanos.